Pedro Sá
O projecto define-se num primeiro momento por um processo de criação de imagens: a fotografia como base na construção de novas realidades, novas imagens. Mais do que a representação fotográfica de uma qualquer realidade, visa um principio de criação. A criação de novas imagens, que partindo da realidade, não representando nenhum lugar geográfico específico. A sua realidade e existência palpável apenas o são na presença física do suporte impresso, monitor ou projecção.
O processo de criação inicia-se a partir de uma fotografia digital. Com base no seu elemento indivisível: o ponto de cor “pixel”. É retirada à fotografia uma tira horizontal com a largura mínima desse elemento. É esta a matéria para a construção da nova imagem. Este pequeno elemento horizontal é justaposto lado a lado milhões de vezes e criará a nova imagem. O resultado é a criação de uma série de paisagens, que partem de uma ínfima parte do real, ou pelo menos de uma representação do real, para construir algo novo. Esta nova realidade que não existia até então, já estava de certa forma contida no original, criando aqui uma situação paradoxal de algo que não é realidade mas está nela contido.
Tópicos do trabalho:
Novos espaços gerados a partir de uma ínfima parte do real.
Eles estão contidos na realidade visível, assim a sua matriz de origem visível guarda em si uma série de novos espaços. Realidades dentro da realidade.
Momento/Espaço
Ocorre na criação destas imagens a criação de um espaço a partir de um momento específico. O momento que é parte de um todo, é modificado para ser ele mesmo um todo, um espaço.
Repetição/Dinamismo
A representação infiníta de um momento, prolongando a sua presença evoca um dinamismo que não deixa de ser surpreendente, pois as imagens são criadas através de um processo de repetição. Repetição que é vulgarmente associada à monotonia e estatismo, mas que resultam aqui em imagens evocadoras de velocidade.
Velocidade/Metáfora de uma era/Layers de informação invisíveis
A velocidade de uma era em que as deslocações são cada vez mais virtuais e instantâneas e o sentido de presença cada vez menos físico. As deslocações são percorridas pelos telefones, pelas câmaras fotográficas dos telefones, pelose-mails ou pelas comunicações wireless que povoam o espaço em que vivemos criando uma atmosfera de informação que passa por nós, mas não a vemos.
Percorem um espaço que é o nosso mas de forma invisível para nós.
Estas paisagens tornam-se como metáforas para esses espaços incorpóreos e não palpáveis, criando lugares virtuais mas com base em realidades concretas. Em comum com as layers de informação que povoam o nosso espaço têem o facto de terem contacto com a nossa realidade, mas não serem a nossa realidade, surgem dela mas é impossível para nós tocarmos neles. Existêm ambos para nós como ideia, não presença física.
Ideia/Entendimento da realidade
Sair da nossa realidade para outra, regressando a ela com novas formas de entendimento. O estudo destas imagens como ideia. Uma ideia que, por se afastar do modo como entendemos a concepção e organização da
nossa própria realidade, poderá funcionar como objecto produtor de conhecimento e melhor entendimento desta, funcionando num processo de: 1º- afastamento da nossa realidade, 2º- análise da ideia como realidade paralela, 3º- retorno à nossa realidade, 4º- a possibilidade de melhor compreenção e de criação de conhecimento sobre a realidade de origem.
“A segunda transformação acelerada própria do mundo contemporâneo e a segunda figura de excesso característica da sobremodernidade, dizem respeito ao espaço. Sobre o espaço poderíamos dizer, em primeiro lugar e, também aqui, um pouco paradoxalmente, que ele é correlativo ao estreitamento do planeta: dessa distância de nós a nós mesmos a que correspondem as performances dos cosmonautas e a ronda dos nossos satélites. Num sentido, os nossos primeiros passos no espaço reduzem o nosso espaço a um ponto ínfimo, cuja medida exacta nos é dada, precisamente, pelas fotografias tiradas por satélite. Mas, ao mesmo tempo, o mundo abre-se a nós. Estamos na era da mudança de escala, no que respeita à conquista espacial, certamente, mas também na terra: os meios de transporte rápidos põem qualquer capital a umas horas apenas de qualquer outra. Na intimidade das nossas casas, por fim, toda a espécie de imagens, retransmitidas pelos satélites, captadas pelas antenas que se erguem nos telhados da aldeia mais remota, podem dar-nos uma visão instantânea e, por vazes, simultânea, de um acontecimento que se está a produzir no outro extremo do planeta.
É certo que pressentimos os efeitos perversos e as possíveis distorções de uma informação cujas imagens são seleccionadas desta forma: para além de poderem ser manipuladas, para usar uma expressão habitual, a imagem (que não passa de uma entre milhares de outras possíveis) exerce uma influência e possui uma força que excede em muito a informação objectiva que vincula. Por outro lado temos que constatar que se misturam, quotidianamente, nos écrans do planeta, as imagens da informação, com as imagens da publicidade e as da ficção, cujos tratamentos e finalidades não são idênticos, pelo menos em princípio, mas que criam, sobre os nossos olhos, um universo relativamente homogéneo na sua diversidade. O que é que pode haver de mais realista e, num certo sentido, mais informativo, sobre a vida nos EUA, que uma boa série americana?” (1)
Afastamento do universo das imagens de informação e publicidade
Na era em que a imagem assume um papel preponderante com o seu poder de comunicação, atribuição de sentido e associação, em que algo está sempre a ser promovido e a despertar a atenção, ocupando na imagem um lugar destacado: o primeiro plano, e ondo tudo o resto parece “paisagem”,
pois o que interessa é o que dá valor, o que associa e provoca desejo.
As imagens neste projecto criadas são precisamente paisagem. É a paisagem que interessa, não há a promoção de um acontecimento ou produto específico, há sim uma continuidade que apelará a uma contemplação, e provavelmemte, habituados a procurar sentido em tudo, haverá a necessidade de destacar algo em particular, como a fotografia nos ensinou com a necessidadede procurar o primeiro plano, as personagens, aquilo que se distingue do resto, aquilo que nos ensinaram e para o qual fomos educados a ver, mas que não está lá. A imagem funciona como um todo, uma unidade indivisível, e permanentemente estável. Por isso este trabalho será uma paisagem, mas uma paisagem no estado puro onde a contemplação é tudo o que nos resta perante a sua presença. Não há casas. Não há pessoas. Não é algo que possamos ver ou que exista na nossa realidade de modo tão rigoroso… mas que estranhamente se assemelha a uma simples paisagem.
Inquietação
Inquietação por não haver algo humano, um elemento, que por mais pequeno que seja, quebre a monotonia, crie o factor humano do erro, do irregular e assimétrico. Não há nenhum elemento que fuja à perfeição do rigor da construção digital. A imagem está lá, a procura e inquietação que desperta no espectador é resultado do seu próprio hábito de procurar algo que se destaque, de procurar o “produto”.
“Se um lugar pode defenir-se como identitário, relacional e histórico, um espaço que não possa defenir-se nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico, definirá um não-lugar. A hipótese aqui defendida é a de que a sobremodernidade produz não-lugares, ou seja, espaçõs que em si mesmos não constituem lugares antropológicos e que, ao contrário da modernidade baudelairiana, não integram os lugares antigos: inventariados, classificados e promovidos a “lugares de memória” estes ocupam naquela um lugar circunscrito e específico.” (2)
Classifiação
Pode este ser um princípio para a classificação das imagens deste projecto, no entanto, estas estarão sempre para lá dessa classificação de lugar antropológico, dada a sua existência como ideia e não algo físico. Não deixando, contudo, estes momentos de partirem de uma realidade concreta: a nossa realidade física e visível, tendo assim também algo dela, quanto mais não seja pela sua origem.
“Na situação da sobremodernidade, uma parte do exterior é feita de não-lugares e uma parte dos não-lugares, de imagens. Frequentar os não-lugares constitui, hoje em dia, a ocasião de uma experiência sem precedente histórico, de individualidade solitária e de mediação não humana (basta um cartaz ou um écran) entre o indivíduo e o poder público.” (3)
1 AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução a Uma Antropologia da Sobremodernidade. Trad. Lúcia Mucznik, Bertrand Editora, 1994.
2 ibidem
3 ibidem
Pedro Sá, Abril 2005