sábado, abril 30, 2005

Crítica e investigação em design

Susana Pimentel
28 de Abril 2005 | Susana Pimentel
Pretendo neste projecto ser eu própria o objecto de estudo, representar uma marca da personalidade, estando sempre presente a ideia de espelhamento, do meu duplo, da encenação auto-referente através da performance mediada.
Muitos dos pintores e fotógrafos dos últimos quarenta anos, têm a tendência de centrar o seu trabalho criativo em estratégias auto-representativas. Entre eles podemos destacar o pintor Francis Bacon, cuja obra pouco se afastou da representação de si. Gilbert and George, usando meios mais mediáticos, como a fotografia e o cartaz, desenvolveram também uma boa parte da sua obra a partir das suas respectivas figuras. São célebres os auto-retratos de Andy Wharol e Mapplethorpe, para citar referências mais pontuais a esse nível. Mas mais recentemente, nomes como Cindy Sherman, Joe Spence, Nan Goldin, Jean le Gac, Duane Michaels, Peter Land, encontram na auto-representação pela fotografia e vídeo, o único universo ade- quado às suas estratégias artísticas. Mas esta movimentação auto-referencial do discurso artístico não é específica das artes plás- ticas nem da fotografia. Um movimento paralelo surgiu na literatura com a eclosão do diário e da escrita jornalística. Mas também na dança e no teatro a figura do Eu se afirma.
A obra de Cindy Sherman parece-me um caso particularmente interessante, pois reconheço--lhe características comuns ao tra- balho a que me proponho desenvolver. A sua obsessão com a corpo- ralidade e a sua postura, são associadas ao facto de que o teatro em torno deste tema tem como actor único o próprio encenador. Da mesma forma, pretendo ser simultaneamente operador e referente de uma encenação que é da ordem da simulação.
O auto-retrato pode ser bem mais que simples reflexos de uma aparência e de uma memória. Esta mistura entre realidade e ence-nação torna confuso o sentimento de identidade e o auto-retrato revela-nos um outro, um descentramento de si, um falso self. Mas numa outra análise podemos concluir que essas imagens espelham uma encenação do eu. O meu eu espelha o eu e não o outro. As persona- gens encenadas que irei construir, não são mais do que eu própria. A própria arte de viver é comandada pela capacidade de ser mais diverso e múltiplo que o devir da realidade. É a arte da diversi- dade, do disfarce e da mudança, consoante as necessidades e os obstáculos ocorrentes. A arte da geração instintiva, do improviso, do reconhecimento de personagens encenadas. E é debaixo desta ma- quilhagem que se esconde o verdadeiro significado do eu. Debaixo dessa encenação está o sentimento, o verdadeiro interior do “eu”. Mas qual o papel da representação do corpo na afirmação da identi- dade? A auto-representação remete-nos para essa questão fundamental à natureza humana: quem sou eu? A representação do “eu” poderá sur- gir como manifestação de uma presença no mundo, como ponto de vista sobre esse mundo, mas também como forma de potencialmente o recriar ou restaurar. Talvez representar seja uma forma de protesto contra o desvanecimento do Ser no tempo.
Como estratégia de auto-conhecimento, submeti-me a uma exposi- ção total filmando-me em variadíssimas situações do quotidiano, nas quais me esqueço que estou a ser filmada. Cria-se então uma situa- ção em que estou a ser vigiada por mim própria sem o saber sendo assim possível ter uma visão de mim ao natural sem qualquer simula- ção. Numa primeira fase deste projecto elaborei uma série de imã- gens que constituem-se como frames retirados de um vídeo escolhido entre os vários que realizei. Nesse vídeo, eu sou a personagem principal e única. Neste sentido não existe qualquer encenação da Susana. Ela surge ao natural. Mas após uma análise desse mesmo ví- deo, poderemos encontrar frames em que a Susana surge como várias personagens distintas. Dentro da realidade podemos encontrar ence- nação teatral. Cada frame escolhido espelha um eu diferente, uma nova personagem, uma nova identidade. O vídeo original foi manipu- lado, através da repetição de cenas e alteração na velocidade. Ve- rifica-se assim, como cada segundo deste vídeo, parece tomar uma novo significado pelo alongamento ou estreitamento do tempo, tor- nando-o mais uma vez encenação.
Mais do que concluir um caminho, interessa-me abordar todas estas questões em redor da problematização da identidade, de forma a abri-lo, para que dessa abertura possam resultar novas críticas e investigações.