Asas
Ilustração Christina Casnellie
Quando a encontrei, eu ainda era um homem com asas.
Minhas especialidades na vida consistiam em apenas três: voar, descer por chaminés e investigar fechaduras.
Nunca fizera ou participara de qualquer batalha. Nunca matara um homem. E somente uma vez, e assim mesmo estimulado por amigos, eu tentara o salto para o precipício.
Desisti, pois as asas não suportariam o peso do meu corpo.
Então, quando a conheci, foi aquele arrebatamento. Em instantes, ela fez com que eu provasse dos seus mistérios. Em minutos, eu soube como se amarrava um tigre, como se esquartejava uma corça, como se degolavam macacos.
Fomos festim e o incêndio. Frequentámos todos os mamíferos, todos os quelónios, inventamos répteis e galin´cios sobre a cama. Pelo corpo, simulámos os maquinários e os carrosséis, os vulcões e o alto mar.
Depois ela partiu.
Hoje eu já matei um homem e fiz algumas guerras. Ando na multidão, fumo cigarros e bebo conhaque. Sinto o pó das ruas nos pés e roço o meu corpo em mulheres anónimas.
E abandonei as asas.
In «Pequeno Tratado das Ilusões» de Paulinho Assunção
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