quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Proj: Sebenta de Grafismos Editoriais e Publicitários

Pedro Messias

Vou directo ao assunto:

em que medida é legítimo utilizar-se as palavras "científico" e
"design" na mesma frase?

Tenho visto esses termos serem aplicados em conjunto várias vezes, sob diversas formas e em diversos contextos pelos
professores deste curso e não faço a pergunta numa lógica de confrontação, mas com genuína curiosidade.
Frequentei recentemente um curso numa faculdade onde são leccionadas matérias de acentuado carácter científico, em
particular das ciências duras, e onde para entrar tive de conseguir notas razoáveis em exames nacionais de física e biologia. Ali, o património histórico das disciplinas nunca é tão importante como o seu presente corpo
de conhecimentos, em parte por tudo não se resumir a uma sucessão mais ou menos arbitrária e circunstancial de correntes estilísticas/filosóficas. Em termos muito simples, na ciência, a qualidade e utilidade suas produções é aferida com relativa simplicidade e clareza pela sobreposição com um acetato bem definido: o de uma realidade exterior muito concreta chamada Realidade (com R em caixa alta). O seu corpo de conhecimentos converge lenta mas
inexoravelmente para um único ponto de fuga: a Verdade (com V em caixa
alta). Nas suas escolas há manuais, há sebentas, são apresentadas, para cada disciplina, bibliografias de, na maior parte dos casos, 4, 5 ou 6 títulos no máximo. A validade e precisão de uma afirmação feita por um professor, de uma crítica a um procedimento, podem ser facilmente corroboradas ou negadas pela simples consulta da literatura. Isto porque no meio científico, a dimensão da intersecção do conhecimento dos especialistas sobrepõe-se largamente ao que sobra nas franjas exteriores da discordância. Que garantias nos são dadas, num curso de design gráfico, de que não estamos a ouvir nas aulas apenas as introspecções pessoais, intra-filosóficas, de cada um dos professores? Por outro lado, mesmo em ciências entre aspas corpo 340 como a sociologia se nota um esforço de quantificação. Faz-se por se expressar as relações entre variàveis sob a forma de relações matemáticas, ftrata-se estatísticamente os dados, etc. No design, o único esforço de quantificação parece estar na avaliação dos alunos.
Em face disto, surge-me como contraditória determinada colagem à linguagem científica, em particular
quando o pós-moderno vive com o estigma do horror à ideia iluminista do designer como prestador de serviços, e portanto susceptível de ter de prestar contas a uma realidade exterior. "Afinal, o designer não é um reles engenheiro gráfico!" Então que designers se formam nesta escola? O design
pós-moderno parece insistir em seguir a via do auto-centrismo, da auto-referência, da auto-complacência. No limite não é muito mais que masturbação intelectual. Não me interpretem mal, concordo que a masturbação tem o seu lugar, mas acontece que apenas meia dúzia de previlegiados consegue viver dela.
Gostaria de conseguir elaborar uma sebenta para a disciplina de Grafismos Editoriais e Publicitários, sensivelmente nos moldes das sebentas das disciplinas dos cursos de ciências duras, onde fique compilado e sistematizado um corpo de conhecimentos específico da disciplina capaz de reunir o consenso possível dos especialistas.

Janeiro de 2005