Sujeito Passivo
Gonçalo Villa de Freitas
goncalovfreitas@gmail.com
Aqui há um tempo reflectia-se num Fórum TSF sobre os dados divulgados do INE relativamente aos índices de literacia da população portuguesa, em que um dos indicadores era a (in)capacidade de preenchimento da declaração de IRS.
Não me lembro dos números, mas sim que os resultados eram assustadores. Mais assustadores, para mim, porque me incluía dentro daqueles que não sabem o que significa “despesa com dependentes, desde que inscritos no art. 34 do código do Cirs, à data do exercício corrente no caso do sujeito passivo A não ser o mesmo que o B”. Este exemplo não sendo real, corresponde à imagem que guardo, o que é relevante em si mesmo. As conclusões que se tiravam, destes resultados, eram todas relativas à incapacidade do utilizador, sem nunca se aflorar a hipótese do problema estar no facto do objecto estar mal concebido em relação aos seus objectivos.
O enunciado do problema, da Direcção Geral de Contribuições e Impostos poderá ser sintetizado desta forma:
1. A DGCI pretende adquirir os dados de sujeito X para que posteriormente um sujeito Y os possa inserir num sistema, de acordo com determinados critérios e códigos.
2. Esta operação é um serviço que a DGCI presta ao sujeito X de forma a criar um contexto em que ele possa exercer os seus deveres de cidadania.
3. O sujeito X representa um universo variável e subjectivo, enquanto o sujeito Y é um funcionário da própria DGCI.
4. Ninguém será responsabilizado perante o insucesso da resolução do problema e os ordenados não dependem dos resultados obtidos.
Este último ponto é determinante porque anula a complexidade do problema.
A criação de um interface entre os cidadãos e o sistema fiscal, tal como qualquer processo de comunicação, tem uma dupla funcionalidade. A de suprir uma necessidade e a de criar uma identidade. Aquilo que, vulgarmente, em conversas corresponde ao “modo como dizemos” e que em termos de comunicação tem tanto, ou mais, significado do que aquilo que dizemos. Em primeiro lugar, influencia a interpretação que o interlocutor faz do que é dito, em segundo lugar identifica o relacionamento que com ele pretendemos estabelecer.
O ponto 4 anula esta vertente e indica a solução autista: a principal condicionante para a concepção do formulário é a relação entre os sujeitos Y e o sistema. Por outras palavras, a prioridade é dada à maneira mais eficaz de inserir a informação no sistema informático, por parte dos serviços da DGCI. Os sujeitos X que se danem.
Desta forma, a organização e classificação da informação, a terminologia e layout dos formulários privilegiam a adequação às necessidades de transposição dos dados do suporte de papel para o informático. E admito que, deste ponto de vista, o resultado é muito bom. A DGCI canalizou todo o seu esforço no suprimento das suas próprias necessidades relegando o cidadão/contribuinte para o papel de sujeito passivo. Criando desta forma uma relação de hostilidade entre os cidadãos e o estado, uma vez que a relação que se estabelece é sempre difícil porque foi pensada para ser amigável para o funcionário público. Pagar os impostos é uma obrigação e pronto.
A partir do final da década de 90, entra em cena a DGITA, Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, cujo objectivo é “a promoção da relação com os contribuintes e operadores económicos, implementando procedimentos de atendimento automático, onde se insere o serviço de Declarações Electrónicas fiscais.”
Portanto muda o suporte. No entanto, nos primeiros anos, a prática foi a de apenas trasladar o objecto de papel para o ecrã.
Temos naturalmente tendência para transferir os modos de comunicação tradicionais para os meios emergentes. Este é um erro recorrente, basta para isso atentar à designação página de Internet. Só com o passar do tempo começamos a assimilar as características específicas dos novos meios. Onde outrora tínhamos a página toda num olhar, agora estava a página seccionada, o que aumentava a sensação de desconforto.
A partir de 2003 deu-se uma alteração significativa no panorama fiscal, com imediato reflexo no volume do serviço, aumentando para mais do dobro o nº de declarações electrónicas entregues. Pela primeira vez o sujeito X passou a ser considerado na concepção do modelo da declaração.
Uma vez feito o registo e adesão (simples e eficaz) fazemos o download do aplicativo que substitui os “impressos”. O interface é bastante claro para quem estiver minimamente familiarizado com o Windows “na óptica do utilizador”. O acesso aos diferentes “quadros” do formulário, faz-se através de uma barra de navegação, evitando percorrer toda a sua extensão e apesar da terminologia se manter idêntica, existe uma clara identificação dos campos a preencher. A ajuda, ajuda de facto, existindo a possibilidade de a visualizar em simultâneo com o preenchimento, os somatórios são automáticos e existem alguns campos com as hipóteses predefinidas a seleccionar.
Acresce a vantagem de poder fazer a entrega da declaração a qualquer hora e a partir de qualquer lugar. Finalmente, o resultado da sua impressão é exactamente igual aos formulários em papel, o que comprova que existem formas alternativas de adquirir os mesmos dados e que se deve inferir da experiência da declaração electrónica que a declaração em papel deve ser objecto de análise e adequação a todos os seus utilizadores, evitando que a sua concepção corresponda exclusivamente ás vontades e exigências da “máquina fiscal”.
goncalovfreitas@gmail.com
Aqui há um tempo reflectia-se num Fórum TSF sobre os dados divulgados do INE relativamente aos índices de literacia da população portuguesa, em que um dos indicadores era a (in)capacidade de preenchimento da declaração de IRS.
Não me lembro dos números, mas sim que os resultados eram assustadores. Mais assustadores, para mim, porque me incluía dentro daqueles que não sabem o que significa “despesa com dependentes, desde que inscritos no art. 34 do código do Cirs, à data do exercício corrente no caso do sujeito passivo A não ser o mesmo que o B”. Este exemplo não sendo real, corresponde à imagem que guardo, o que é relevante em si mesmo. As conclusões que se tiravam, destes resultados, eram todas relativas à incapacidade do utilizador, sem nunca se aflorar a hipótese do problema estar no facto do objecto estar mal concebido em relação aos seus objectivos.
O enunciado do problema, da Direcção Geral de Contribuições e Impostos poderá ser sintetizado desta forma:
1. A DGCI pretende adquirir os dados de sujeito X para que posteriormente um sujeito Y os possa inserir num sistema, de acordo com determinados critérios e códigos.
2. Esta operação é um serviço que a DGCI presta ao sujeito X de forma a criar um contexto em que ele possa exercer os seus deveres de cidadania.
3. O sujeito X representa um universo variável e subjectivo, enquanto o sujeito Y é um funcionário da própria DGCI.
4. Ninguém será responsabilizado perante o insucesso da resolução do problema e os ordenados não dependem dos resultados obtidos.
Este último ponto é determinante porque anula a complexidade do problema.
A criação de um interface entre os cidadãos e o sistema fiscal, tal como qualquer processo de comunicação, tem uma dupla funcionalidade. A de suprir uma necessidade e a de criar uma identidade. Aquilo que, vulgarmente, em conversas corresponde ao “modo como dizemos” e que em termos de comunicação tem tanto, ou mais, significado do que aquilo que dizemos. Em primeiro lugar, influencia a interpretação que o interlocutor faz do que é dito, em segundo lugar identifica o relacionamento que com ele pretendemos estabelecer.
O ponto 4 anula esta vertente e indica a solução autista: a principal condicionante para a concepção do formulário é a relação entre os sujeitos Y e o sistema. Por outras palavras, a prioridade é dada à maneira mais eficaz de inserir a informação no sistema informático, por parte dos serviços da DGCI. Os sujeitos X que se danem.
Desta forma, a organização e classificação da informação, a terminologia e layout dos formulários privilegiam a adequação às necessidades de transposição dos dados do suporte de papel para o informático. E admito que, deste ponto de vista, o resultado é muito bom. A DGCI canalizou todo o seu esforço no suprimento das suas próprias necessidades relegando o cidadão/contribuinte para o papel de sujeito passivo. Criando desta forma uma relação de hostilidade entre os cidadãos e o estado, uma vez que a relação que se estabelece é sempre difícil porque foi pensada para ser amigável para o funcionário público. Pagar os impostos é uma obrigação e pronto.
A partir do final da década de 90, entra em cena a DGITA, Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, cujo objectivo é “a promoção da relação com os contribuintes e operadores económicos, implementando procedimentos de atendimento automático, onde se insere o serviço de Declarações Electrónicas fiscais.”
Portanto muda o suporte. No entanto, nos primeiros anos, a prática foi a de apenas trasladar o objecto de papel para o ecrã.
Temos naturalmente tendência para transferir os modos de comunicação tradicionais para os meios emergentes. Este é um erro recorrente, basta para isso atentar à designação página de Internet. Só com o passar do tempo começamos a assimilar as características específicas dos novos meios. Onde outrora tínhamos a página toda num olhar, agora estava a página seccionada, o que aumentava a sensação de desconforto.
A partir de 2003 deu-se uma alteração significativa no panorama fiscal, com imediato reflexo no volume do serviço, aumentando para mais do dobro o nº de declarações electrónicas entregues. Pela primeira vez o sujeito X passou a ser considerado na concepção do modelo da declaração.
Uma vez feito o registo e adesão (simples e eficaz) fazemos o download do aplicativo que substitui os “impressos”. O interface é bastante claro para quem estiver minimamente familiarizado com o Windows “na óptica do utilizador”. O acesso aos diferentes “quadros” do formulário, faz-se através de uma barra de navegação, evitando percorrer toda a sua extensão e apesar da terminologia se manter idêntica, existe uma clara identificação dos campos a preencher. A ajuda, ajuda de facto, existindo a possibilidade de a visualizar em simultâneo com o preenchimento, os somatórios são automáticos e existem alguns campos com as hipóteses predefinidas a seleccionar.
Acresce a vantagem de poder fazer a entrega da declaração a qualquer hora e a partir de qualquer lugar. Finalmente, o resultado da sua impressão é exactamente igual aos formulários em papel, o que comprova que existem formas alternativas de adquirir os mesmos dados e que se deve inferir da experiência da declaração electrónica que a declaração em papel deve ser objecto de análise e adequação a todos os seus utilizadores, evitando que a sua concepção corresponda exclusivamente ás vontades e exigências da “máquina fiscal”.
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