Papel de embrulho
Inês do Carmo
Quando A CAPITAL editou os postais da “Lisboa Antiga” dei comigo na ladaínha do “olha como isto era”. Por habitar numa zona de construção pombalina, são inevitáveis as comparações entre o “antes” e o “agora”: o reconhecimento do espaço é facilitado dada a inalteração da maioria da arquitectura. Mas então, se os edifícios são os mesmos, as ruas são as mesmas, o céu é o mesmo, o que é que o jogo das sete diferenças pode encontrar? Para além da evidente mudança das indumentárias, nota-se uma degradação visual que não está nos edifícios em si mas colada a eles, apensa, aposta, sobreposta, anexa, em cima, à frente, atrás. É um terrível ruído que perturba o espaço, que nos tolhe a visão do que é realmente importante embrulhando o essencial: fios de telefone, de electricidade, de cabo, altifalantes, projectores, toldos e, mais importante, a publicidade exterior.
Nos últimos anos, a publicidade tem tomado proporções exponencialmente avassaladoras tanto em número como em género, no grau de agressividade, usando cada vez mais recursos tecnológicos, com maior variedade de formatos e suportes, tornando-se cada vez mais invasiva. Diariamente, num simples percurso casa-trabalho-casa, cruzamo-nos com cartazes, outdoors, placas, banners, televisões, bandeirolas, tabuletas, insufláveis, neons, paineis, folhetos, flyers, mupis simples, com luz, movimento, cheiro, tridimensionalidade e interacção. Estão dentro do autocarro, fora, atrás ou à volta, nas paragens, no metropolitano (onde não temos hipótese de fuga), nas empenas dos edifícios, nos andaimes, nos automóveis, nas pontes, nos candeeiros, nos postes, nos semáforos, nos multibancos. Para além de a publicidade já ter invadido o espaço pessoal nos e-mails, nos faxes, nos parabrisas, no telemarketing que insiste em nos interromper o jantar, apropria-se cada vez mais do espaço público onde os cidadãos não têm a possibilidade de exercer o direito de se opôr à invasão com um autocolante amarelo de “Publicidade não desejada, não!”.
No meio urbano, estas mensagens impositivas interferem com os referenciais arquitectónicos, criam barreiras visuais (e físicas), condicionam o espaço, confundem e minimizam a sinalética informativa, perturbam a harmonia dos vários componentes da cidade. Os níveis de segurança são postos em risco com a sua presença e desviam a atenção do que é fulcral, O conforto visual sofre com a sua interferência. A lógica espacial fica comprometida.
Se, por um lado, têm surgido movimentos reguladores dos conteúdos publicitários, não se sente – pelo menos em Portugal – uma preocupação real com a presença e integração da publicidade, enquanto elemento físico, nos meios urbanos. Os projectos de requalificação urbana e valorização ambiental pouco ou nada apresentam sobre este assunto e a concepção de modelos e de integração da comunicação no espaço público está ainda muito limitada a projectos de sinalética.
À partida, parece-me fundamental a contenção, limitando a quantidade de suportes de publicidade. Geralmente, cabe aos Municípios a função reguladora estando qualquer forma de publicidade sujeita a licenciamento prévio da Câmara. Até aqui tudo bem. No entanto, se consultarmos o “Regulamento de Publicidade” da Câmara Municipal de Lisboa, apercebemo-nos que nos artºs 4º, 5º, 6º e 7º, referindo-se a Limites, são referidos materiais, suportes, locais específicos, medidas e posicionamentos, mas nada diz sobre limites quantitativos. E mesmo os limites impostos são violados em cada virar de esquina. Basta olhar.
É então incontestável que para além de um deficiente poder regulador, esbarramos ainda num inexistente poder fiscalizador. O resultado está à vista: a degradação visual da cidade é galopante e, usando o mesmo princípio básico onde violência gera violência, ninguém estará motivado para estimar uma cidade que se apresenta descuidada.
No preâmbulo do Regulamento Específico de Publicidade na Baixa Pombalina e Praça dos Restauradores pode ler-se o seguinte: “ (…) numa óptica de preservação da imagem arquitectónica dos edifícios situados nesta área da cidade, estabele princípios que, de um modo geral, confinam a aplicação de mensagens publicitárias aos pisos térreos dos referidos edifícios.”. No entanto, mais à frente encontramos que “Muito se tem escrito sobre o “fenómeno” da Publicidade Exterior e não menos se tem especulado sobre as suas virtudes e seus malefícios (…). Toda e qualquer análise que se faça neste domínio, não pode, porém, alhear-se da realidade que é a existência da Publicidade Exterior como complemento indissociável das actividades comerciais e de serviços, e das consequências da sua gestão no contexto socio-económico de uma cidade”. Então, define-se que “Daí que se tenha decidido passar a admitir, com vários condicionalismos e restrições, a aplicação de mensagens publicitárias nas fachadas dos edifícios acima dos níveis dos pisos dos seus primeiros andares (…)”. É assumido e assinado.
É, sem sombra de dúvida, incontestável a inevitabilidade e o poder económico da publicidade. Assim como é indiscutível a sua presença nos referenciais culturais. Mas, actualmente, não se justifica a saturação dos meios urbanos com publicidade colocada de uma forma aleatória e desproporcionada. Países onde a regulação é eficaz, como a Áustria e a Bélgica, ou onde uma longa história de design estrutura a comunicação urbana, como o Reino Unido, não estão na falência. Pelo contrário. Por cá, ao chegarmos ao limiar de saturação, os resultados não são animadores: os cidadãos/consumidores sentem-se invadidos, atafulhados e incomodados. A cidade descaracteriza-se envolta num papel de embrulho “grátis!” ou “adira já!”. E as mensagens publicitárias dissolvem-se e aniquilam-se. É um jogo onde todos perdem.
inesdocarmo@sapo.pt
Quando A CAPITAL editou os postais da “Lisboa Antiga” dei comigo na ladaínha do “olha como isto era”. Por habitar numa zona de construção pombalina, são inevitáveis as comparações entre o “antes” e o “agora”: o reconhecimento do espaço é facilitado dada a inalteração da maioria da arquitectura. Mas então, se os edifícios são os mesmos, as ruas são as mesmas, o céu é o mesmo, o que é que o jogo das sete diferenças pode encontrar? Para além da evidente mudança das indumentárias, nota-se uma degradação visual que não está nos edifícios em si mas colada a eles, apensa, aposta, sobreposta, anexa, em cima, à frente, atrás. É um terrível ruído que perturba o espaço, que nos tolhe a visão do que é realmente importante embrulhando o essencial: fios de telefone, de electricidade, de cabo, altifalantes, projectores, toldos e, mais importante, a publicidade exterior.
Nos últimos anos, a publicidade tem tomado proporções exponencialmente avassaladoras tanto em número como em género, no grau de agressividade, usando cada vez mais recursos tecnológicos, com maior variedade de formatos e suportes, tornando-se cada vez mais invasiva. Diariamente, num simples percurso casa-trabalho-casa, cruzamo-nos com cartazes, outdoors, placas, banners, televisões, bandeirolas, tabuletas, insufláveis, neons, paineis, folhetos, flyers, mupis simples, com luz, movimento, cheiro, tridimensionalidade e interacção. Estão dentro do autocarro, fora, atrás ou à volta, nas paragens, no metropolitano (onde não temos hipótese de fuga), nas empenas dos edifícios, nos andaimes, nos automóveis, nas pontes, nos candeeiros, nos postes, nos semáforos, nos multibancos. Para além de a publicidade já ter invadido o espaço pessoal nos e-mails, nos faxes, nos parabrisas, no telemarketing que insiste em nos interromper o jantar, apropria-se cada vez mais do espaço público onde os cidadãos não têm a possibilidade de exercer o direito de se opôr à invasão com um autocolante amarelo de “Publicidade não desejada, não!”.
No meio urbano, estas mensagens impositivas interferem com os referenciais arquitectónicos, criam barreiras visuais (e físicas), condicionam o espaço, confundem e minimizam a sinalética informativa, perturbam a harmonia dos vários componentes da cidade. Os níveis de segurança são postos em risco com a sua presença e desviam a atenção do que é fulcral, O conforto visual sofre com a sua interferência. A lógica espacial fica comprometida.
Se, por um lado, têm surgido movimentos reguladores dos conteúdos publicitários, não se sente – pelo menos em Portugal – uma preocupação real com a presença e integração da publicidade, enquanto elemento físico, nos meios urbanos. Os projectos de requalificação urbana e valorização ambiental pouco ou nada apresentam sobre este assunto e a concepção de modelos e de integração da comunicação no espaço público está ainda muito limitada a projectos de sinalética.
À partida, parece-me fundamental a contenção, limitando a quantidade de suportes de publicidade. Geralmente, cabe aos Municípios a função reguladora estando qualquer forma de publicidade sujeita a licenciamento prévio da Câmara. Até aqui tudo bem. No entanto, se consultarmos o “Regulamento de Publicidade” da Câmara Municipal de Lisboa, apercebemo-nos que nos artºs 4º, 5º, 6º e 7º, referindo-se a Limites, são referidos materiais, suportes, locais específicos, medidas e posicionamentos, mas nada diz sobre limites quantitativos. E mesmo os limites impostos são violados em cada virar de esquina. Basta olhar.
É então incontestável que para além de um deficiente poder regulador, esbarramos ainda num inexistente poder fiscalizador. O resultado está à vista: a degradação visual da cidade é galopante e, usando o mesmo princípio básico onde violência gera violência, ninguém estará motivado para estimar uma cidade que se apresenta descuidada.
No preâmbulo do Regulamento Específico de Publicidade na Baixa Pombalina e Praça dos Restauradores pode ler-se o seguinte: “ (…) numa óptica de preservação da imagem arquitectónica dos edifícios situados nesta área da cidade, estabele princípios que, de um modo geral, confinam a aplicação de mensagens publicitárias aos pisos térreos dos referidos edifícios.”. No entanto, mais à frente encontramos que “Muito se tem escrito sobre o “fenómeno” da Publicidade Exterior e não menos se tem especulado sobre as suas virtudes e seus malefícios (…). Toda e qualquer análise que se faça neste domínio, não pode, porém, alhear-se da realidade que é a existência da Publicidade Exterior como complemento indissociável das actividades comerciais e de serviços, e das consequências da sua gestão no contexto socio-económico de uma cidade”. Então, define-se que “Daí que se tenha decidido passar a admitir, com vários condicionalismos e restrições, a aplicação de mensagens publicitárias nas fachadas dos edifícios acima dos níveis dos pisos dos seus primeiros andares (…)”. É assumido e assinado.
É, sem sombra de dúvida, incontestável a inevitabilidade e o poder económico da publicidade. Assim como é indiscutível a sua presença nos referenciais culturais. Mas, actualmente, não se justifica a saturação dos meios urbanos com publicidade colocada de uma forma aleatória e desproporcionada. Países onde a regulação é eficaz, como a Áustria e a Bélgica, ou onde uma longa história de design estrutura a comunicação urbana, como o Reino Unido, não estão na falência. Pelo contrário. Por cá, ao chegarmos ao limiar de saturação, os resultados não são animadores: os cidadãos/consumidores sentem-se invadidos, atafulhados e incomodados. A cidade descaracteriza-se envolta num papel de embrulho “grátis!” ou “adira já!”. E as mensagens publicitárias dissolvem-se e aniquilam-se. É um jogo onde todos perdem.
inesdocarmo@sapo.pt
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home