segunda-feira, dezembro 06, 2004

A partir de “O Medo”

O texto que seleccionei para este projecto é “O Medo” de Guy de Maupassant. Aqui são abordadas experiências de um personagem, nas quais teve medo. De uma forma bastante descritiva, o autor explica essas experiências, mas não reflecte suficientemente sobre esse sentimento. Na tentativa de tentar perceber o que é realmente o medo, na sua vertente mais extrema, resolvi investigar. Dessa pesquisa resultou o resumo que se segue, que integra os aspectos que me pareceram mais relevantes para a posterior produção de imagens de uma forma mais consciente. Existem diferentes tipos de medos e fobias considerados doenças, que limitam a vida das pessoas. Cada vez com mais frequência os consultórios psiquiátricos e clínicas psicológicas recebem casos destes. O medo patológico diferencia-se do medo normal por várias razões: não tem razão objectiva; não tem por base a realidade concreta; o próprio paciente sabe ser absurdo o que sente; provoca uma aflição e ansiedade desmedoidas e é acompanhado de sintomas físicos (falta de ar; sudorese, palpitação, mãos frias...). A visão mais neurológica e orgânica desta pesquisa delimita as áreas do cérebro responsáveis pelo medo patológico e elementos cerebrais relacionados com ele. Sabe-se, hoje em dia, que as amígdalas (estruturas cerebrais localizadas na região das têmporas) têm a função de identificar situações de perigo. Estas reconhecem uma ameaça porque são alimentadas pelo sistema límbico, que é uma parte do cérebro que constitui uma espécie de banco de memória das ameaças á pessoa, é portanto a memória do medo. Aqui são armazenadas informações sobre experiências em que o medo foi adquirido por trauma ou aprendizagem. As pessoas consideradas fóbicas apresentam uma hiperactividade desta parte do cérebro. O nosso corpo reage principalmente, numa situação de ameaça real ou não, ao nível do cérebro, olhos, coração, pulmões e estômago. Ao nível do cérebro, as amígdalas cerebrais enviam um sinal ao hipotálamo (região de controlo do metabolismo) para que seja intensificada a produção de adrenalina, noradrenalina e acetilcolina. Numa fracção de segundo, a descarga dessas substâncias causa alterações no funcionamento de diversas partes do corpo. Nos olhos, a química do medo faz com que as pupilas se dilatem. Isso diminui a capacidade de a pessoa reparar nos detalhes que a cercam, mas aumenta o poder de visão geral. Em tempos ancestrais, esse recurso permitia que o homem identificasse, no escuro das cavernas, um predador e as possíveis rotas de fuga. No coração e pulmões, o aumento do nível de adrenalina eleva os batimentos cardíacos. A maior irrigação sanguínea faz com que o cérebro e músculos trabalhem mais intensamente, deixando a pessoa alerta e ágil. O facto do coração bater acelerado exige maior oxigenação, daí porque a respiração se torna mais curta e ofegante. Muitas pessoas, em situações de medo, sentem dor na região estomacal. Isto acontece devido ao aumento da produção de acetilcolina. A libertação em maior quantidade e sucos gástricos acelera a digestão e a transformação dos alimentos em energia. Os fóbicos, de maneira geral, apresentam traços de personalidade em comum. Normalmente são pessoas que tiveram uma educação rígida, estimuladora da ordem, da consequência e do compromisso. São pessoas excessivamente preocupadas com o julgamento alheio, com a opinião dos outros a seu respeito, são perfeccionistas e determinados. Os portadores de fobia costumam ter alto senso de responsabilidade, bom desempenho profissional e avidez pelos desafios da vida social. Contudo, a origem da fobia é ainda misteriosa. A herança genética dos traços ansiosos da personalidade, a aprendizagem das reacções diante do perigo, e as alterações dos neurotransmissores são possíveis explicações para este fenómeno. Geneticamente já se sabe que os filhos de pais fóbicos têm 15% de possibilidade de ter este comportamento na idade adulta e que 2% das pessoas com traços de timidez na personalidade desenvolve fobia social no decorrer da vida. Pretendo que o resultado do meu trabalho integre as seguintes características: que reflicta o imaginário de um doente que sofre de medo patológico; que sejam acentuados os sintomas e as mudanças que se dão a nível físico; que, se possível, mostre a maior consciência do todo que o medo provoca; e que o resultado sejam imagens de grande formato, reflectindo assim o carácter desproporcional do medo.

FOTOGRAFÍA II | PROJECTO 01 SELMA FLOR