O design e o programa do governo
Gonçalo Falcão
gfalcao@ideia-ilimitada.pt
O programa do XVII Governo Constitucional, lido por um designer, revela-se um documento de vistas curtas. Assenta sobre cinco grandes eixos que, grosso modo, são: retomar o crescimento da economia através da inovação e qualificação; menos pobreza e mais igualdade; melhorar a qualidade de vida através de um desenvolvimento sustentado que passa pela defesa da qualidade ambiental, defesa do consumidor; elevar a qualidade da democracia (justiça e segurança); e, por fim, valorizar o posicionamento do país num quadro internacional, UE, PALOP’s, cultura e língua portuguesas.
O primeiro e o terceiro objectivos implicam necessariamente o design: o design contribui para fazer progredir a economia, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, bem como para integrar procedimentos zelosos em relação ao ambiente. Auxilia ainda na consciencialização da população para a importância das melhores práticas ambientais e para a necessidade de mudança de comportamentos. Sendo assim, e passadas estas primeiras páginas de intenções, esperava - enquanto designer - ver expressa a forma como este governo vê o design como ferramenta para ajudar a cumprir o seu programa.
E logo na página 14 há palavras que fazem acreditar que o governo sabe como utilizar o design nos seus planos: «Na última metade da década de noventa duplicou em Portugal o número de empresas com actividades de I&D. Estas empresas já não competem internacionalmente com base em salários baixos, mas com recursos humanos qualificados, I&D e inovação, marketing, design, formação e qualidade, cooperando com instituições de C&T. A nossa aposta é tornar possível que este modelo económico emergente, este novo Portugal Inovador, se torne o modelo dominante, a partir do qual se sustente um novo ciclo de crescimento económico.». Esta ideia desenvolve-se na sequência da anterior, expressa no primeiro ponto («Uma Estratégia de Crescimento Para a Próxima Década») que dizia: «A chave da competitividade da economia portuguesa chama-se inovação. Inovação de processos, inovação de produtos e serviços inovação tecnológica e inovação na organização e na gestão».
Esta ideia do primeiro-ministro não é nova em termos europeus, e quase todos os países da Europa apostaram há trinta anos no design como elemento capaz de gerar mais-valias sobre a produção. A Nokia, a tempo percebeu que produzir electrónica era um negócio pouco rentável, dada a concorrência oriental e passou a produzir inovação e investigação em comunicações móveis. Quando digo produzir refiro-me a desenhar, criar uma lógica de uso, pensar na relação com o utilizador, na comunicação, na imagem, na usabilidade. Porque o fabrico, muito provavelmente, será asiático.
Em Inglaterra, o design enquanto ferramenta de I&D, é levado a sério. De acordo com o National Survey Of Firms 2004-2005 sobre o uso do design, conclui-se que: quando o design é usado de uma forma global nas empresas há um aumento de 44% em competitividade e receitas e 27% das empresas considera que o design foi fundamental para se manterem na dianteira competitiva. 50% das empresas de produção acha que o design tem uma importância crescente no aumento da sua capacidade competitiva. Só 32% das empresas conseguiram introduzir um novo produto ou serviço no mercado, nos últimos três anos, mas no grupo das empresas que usam o design de forma integrada, 67% conseguiram fazê-lo. 45% das empresas que não usam o design competem com base no preço, mas no grupo das que usam o design de forma significativa, só 21% acha que o preço baixo lhes dá vantagens competitivas. O design foi significativo ou mesmo essencial para 33% das empresas que apresentaram crescimento; no universo das empresas que decresceram, só 11% é que o usam.
Reconhecendo que a inovação um princípio estruturante para o crescimento de Portugal, o que o nosso governo quer fazer é estimular a competitividade das empresas através do investimento num conjunto de seis ferramentas de inovação, sendo o design uma delas.
Parece-me lógico. Agora falta saber o mais complicado que é: como? É que para se poder dizer como, é preciso saber do que se trata. Infelizmente os governantes não fazem a mínima ideia o que é de facto o design.
A exemplo da Europa, para que passemos a usufruir dos lucros da inovação e das marcas – que são em média 60% do custo de um produto – tal como prescrito na folha 14 do programa governativo, haverá certamente um plano secreto nas restantes 147 páginas.
Não há. O design abala logo de seguida do programa do governo só reaparecendo na página 23, quando se diz no primeiro ponto do capítulo «Promover a eficiência do investimento e das empresas», que será importante as indústrias têxteis de confecções e de calçado se «combinarem» com o design e com a distribuição, para desenvolver o «cluster» da moda.
Portanto, a única referência prática ao design está travestida ou seja, o governo, apenas no caso dos têxteis é que acha que o design é importante (ainda por cima quando em Portugal dificilmente se poderá falar em design de moda, apesar da imensidão de dinheiro que o estado dá – investe, perdão – neste negócio de privados).
O governo não diz, porque ignora, de que forma é que o design pode ajudar Portugal. Este governo não percebe que no software, nos vidros, nos serviços, no turismo, na construção, no espaço público, no envelhecimento da população, na relação do cidadão com o estado, no civismo e em muitas outras áreas fundamentais, o design é uma ferramenta chave para os fins a que se propõe. A não ser que a grande ideia de investir em inovação e novas tecnologias seja a de Portugal deixar de ser um fabricante de cortiça para passar a ser um fabricante de programação informática.
Como se disse, esta lacuna deve-se a desconhecimento. Pela forma como muitos assuntos têm sido tratados pela administração – de que um bom exemplo são as múltiplas renovações de símbolos e logótipos para os ministérios, câmaras municipais e empresas públicas – podemos concluir que o design é uma actividade grandemente desconhecida e muitas vezes mal usada.
Três exemplos.
Exemplo um: ao contrário do que se passa em Inglaterra, onde Tony Blair dedica discursos com ao design, com ideias sobre a seu papel, em Portugal, e exceptuando o ex-ministro Augusto Mateus, nunca vi ou ouvi um ministro das finanças, da economia ou um primeiro-ministro falar de design.
Exemplo dois: quando, em 1994, surgiu nos telejornais o problema da fábrica Manuel Pereira Roldão e da falência de Portugal enquanto país de mão-de-obra, percebi que o design enquanto ferramenta para a criação de mais-valias sobre produção era ainda ignorado pelo país governante.
Em 1992, na Alemanha, o Sr. Ritzenhoff de Marlsberg (a Marinha Grande da Alemanha) resolveu aplicar a ideia da Swatch (de 1983) aos vidros. Tal como o Sr. Roldão, o Sr. Ritzenhoff tinha excelentes sopradores a quem não estava a conseguir pagar por causa da concorrência de países do terceiro mundo como Portugal.
Então, contratou uma empresa de design para desenvolver duas ideias: comissionar designers de importância mundial para desenhar peças para serem sopradas e fabricadas em edições limitadas e desenvolver desenhos para a peça mais simples de produzir em série que é o copo de vidro. Os desenhos para copos de leite permitiram vender em grandes quantidades e pedir por um copo de leite um valor muito superior ao mesmo copo sem o desenho. A ideia nem sequer era nova, e quando os problemas na Manuel Pereira Roldão se precipitaram em 1994, já a Ritzenhoff vendia alegremente os seus copos, em lojas nacionais. Além dos copos de leite, a empresa aplicou a mesma ideia aos de cerveja e a inúmeros outros produtos, em vidro, para a casa; conseguiu manter a trabalhar os seus sopradores e operários altamente especializados.
A Pereira Roldão desapareceu.
Exemplo três: a Vista Alegre é considerada um ex-libris português. A empresa teve, segundo o último Relatório e Contas, prejuízos de 38.600 milhões de euros que, somados ao passivo anterior, perfaz uma dívida de 226.871 milhões de euros. Mesmo assim, a Vista Alegre continua a canibalizar-se, a reproduzir os desenhos de há 50, 70 anos. Incapaz de se renovar e de perceber que, se não investir no presente, se não fizer hoje aquilo que fez há 100 anos não conseguirá sobreviver. Ainda por cima, as poucas vezes que investe em desenho contrata arquitectos ou pintores. Os resultados são os esperados, mas não os que esperavam.
Em Portugal, quando os nossos governantes fazem visitas oficiais e querem levar um presentinho que represente o país e a sua excelência, levam uma peçazita da Vista Alegre. É talvez um exemplo eloquente da forma como o estado continua a ver a I&D, como gosta de lhe chamar.
Ou muito me engano, ou com este programa de governo, Portugal caminha para deixar de ser um país produtor de vidros, porcelana e cortiça para passar a produzir programação, implantação e testes. A parte boa do bolo continuará a ser comida por aqueles que desde há muito sabem para que é que o design serve.
gfalcao@ideia-ilimitada.pt
O programa do XVII Governo Constitucional, lido por um designer, revela-se um documento de vistas curtas. Assenta sobre cinco grandes eixos que, grosso modo, são: retomar o crescimento da economia através da inovação e qualificação; menos pobreza e mais igualdade; melhorar a qualidade de vida através de um desenvolvimento sustentado que passa pela defesa da qualidade ambiental, defesa do consumidor; elevar a qualidade da democracia (justiça e segurança); e, por fim, valorizar o posicionamento do país num quadro internacional, UE, PALOP’s, cultura e língua portuguesas.
O primeiro e o terceiro objectivos implicam necessariamente o design: o design contribui para fazer progredir a economia, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, bem como para integrar procedimentos zelosos em relação ao ambiente. Auxilia ainda na consciencialização da população para a importância das melhores práticas ambientais e para a necessidade de mudança de comportamentos. Sendo assim, e passadas estas primeiras páginas de intenções, esperava - enquanto designer - ver expressa a forma como este governo vê o design como ferramenta para ajudar a cumprir o seu programa.
E logo na página 14 há palavras que fazem acreditar que o governo sabe como utilizar o design nos seus planos: «Na última metade da década de noventa duplicou em Portugal o número de empresas com actividades de I&D. Estas empresas já não competem internacionalmente com base em salários baixos, mas com recursos humanos qualificados, I&D e inovação, marketing, design, formação e qualidade, cooperando com instituições de C&T. A nossa aposta é tornar possível que este modelo económico emergente, este novo Portugal Inovador, se torne o modelo dominante, a partir do qual se sustente um novo ciclo de crescimento económico.». Esta ideia desenvolve-se na sequência da anterior, expressa no primeiro ponto («Uma Estratégia de Crescimento Para a Próxima Década») que dizia: «A chave da competitividade da economia portuguesa chama-se inovação. Inovação de processos, inovação de produtos e serviços inovação tecnológica e inovação na organização e na gestão».
Esta ideia do primeiro-ministro não é nova em termos europeus, e quase todos os países da Europa apostaram há trinta anos no design como elemento capaz de gerar mais-valias sobre a produção. A Nokia, a tempo percebeu que produzir electrónica era um negócio pouco rentável, dada a concorrência oriental e passou a produzir inovação e investigação em comunicações móveis. Quando digo produzir refiro-me a desenhar, criar uma lógica de uso, pensar na relação com o utilizador, na comunicação, na imagem, na usabilidade. Porque o fabrico, muito provavelmente, será asiático.
Em Inglaterra, o design enquanto ferramenta de I&D, é levado a sério. De acordo com o National Survey Of Firms 2004-2005 sobre o uso do design, conclui-se que: quando o design é usado de uma forma global nas empresas há um aumento de 44% em competitividade e receitas e 27% das empresas considera que o design foi fundamental para se manterem na dianteira competitiva. 50% das empresas de produção acha que o design tem uma importância crescente no aumento da sua capacidade competitiva. Só 32% das empresas conseguiram introduzir um novo produto ou serviço no mercado, nos últimos três anos, mas no grupo das empresas que usam o design de forma integrada, 67% conseguiram fazê-lo. 45% das empresas que não usam o design competem com base no preço, mas no grupo das que usam o design de forma significativa, só 21% acha que o preço baixo lhes dá vantagens competitivas. O design foi significativo ou mesmo essencial para 33% das empresas que apresentaram crescimento; no universo das empresas que decresceram, só 11% é que o usam.
Reconhecendo que a inovação um princípio estruturante para o crescimento de Portugal, o que o nosso governo quer fazer é estimular a competitividade das empresas através do investimento num conjunto de seis ferramentas de inovação, sendo o design uma delas.
Parece-me lógico. Agora falta saber o mais complicado que é: como? É que para se poder dizer como, é preciso saber do que se trata. Infelizmente os governantes não fazem a mínima ideia o que é de facto o design.
A exemplo da Europa, para que passemos a usufruir dos lucros da inovação e das marcas – que são em média 60% do custo de um produto – tal como prescrito na folha 14 do programa governativo, haverá certamente um plano secreto nas restantes 147 páginas.
Não há. O design abala logo de seguida do programa do governo só reaparecendo na página 23, quando se diz no primeiro ponto do capítulo «Promover a eficiência do investimento e das empresas», que será importante as indústrias têxteis de confecções e de calçado se «combinarem» com o design e com a distribuição, para desenvolver o «cluster» da moda.
Portanto, a única referência prática ao design está travestida ou seja, o governo, apenas no caso dos têxteis é que acha que o design é importante (ainda por cima quando em Portugal dificilmente se poderá falar em design de moda, apesar da imensidão de dinheiro que o estado dá – investe, perdão – neste negócio de privados).
O governo não diz, porque ignora, de que forma é que o design pode ajudar Portugal. Este governo não percebe que no software, nos vidros, nos serviços, no turismo, na construção, no espaço público, no envelhecimento da população, na relação do cidadão com o estado, no civismo e em muitas outras áreas fundamentais, o design é uma ferramenta chave para os fins a que se propõe. A não ser que a grande ideia de investir em inovação e novas tecnologias seja a de Portugal deixar de ser um fabricante de cortiça para passar a ser um fabricante de programação informática.
Como se disse, esta lacuna deve-se a desconhecimento. Pela forma como muitos assuntos têm sido tratados pela administração – de que um bom exemplo são as múltiplas renovações de símbolos e logótipos para os ministérios, câmaras municipais e empresas públicas – podemos concluir que o design é uma actividade grandemente desconhecida e muitas vezes mal usada.
Três exemplos.
Exemplo um: ao contrário do que se passa em Inglaterra, onde Tony Blair dedica discursos com ao design, com ideias sobre a seu papel, em Portugal, e exceptuando o ex-ministro Augusto Mateus, nunca vi ou ouvi um ministro das finanças, da economia ou um primeiro-ministro falar de design.
Exemplo dois: quando, em 1994, surgiu nos telejornais o problema da fábrica Manuel Pereira Roldão e da falência de Portugal enquanto país de mão-de-obra, percebi que o design enquanto ferramenta para a criação de mais-valias sobre produção era ainda ignorado pelo país governante.
Em 1992, na Alemanha, o Sr. Ritzenhoff de Marlsberg (a Marinha Grande da Alemanha) resolveu aplicar a ideia da Swatch (de 1983) aos vidros. Tal como o Sr. Roldão, o Sr. Ritzenhoff tinha excelentes sopradores a quem não estava a conseguir pagar por causa da concorrência de países do terceiro mundo como Portugal.
Então, contratou uma empresa de design para desenvolver duas ideias: comissionar designers de importância mundial para desenhar peças para serem sopradas e fabricadas em edições limitadas e desenvolver desenhos para a peça mais simples de produzir em série que é o copo de vidro. Os desenhos para copos de leite permitiram vender em grandes quantidades e pedir por um copo de leite um valor muito superior ao mesmo copo sem o desenho. A ideia nem sequer era nova, e quando os problemas na Manuel Pereira Roldão se precipitaram em 1994, já a Ritzenhoff vendia alegremente os seus copos, em lojas nacionais. Além dos copos de leite, a empresa aplicou a mesma ideia aos de cerveja e a inúmeros outros produtos, em vidro, para a casa; conseguiu manter a trabalhar os seus sopradores e operários altamente especializados.
A Pereira Roldão desapareceu.
Exemplo três: a Vista Alegre é considerada um ex-libris português. A empresa teve, segundo o último Relatório e Contas, prejuízos de 38.600 milhões de euros que, somados ao passivo anterior, perfaz uma dívida de 226.871 milhões de euros. Mesmo assim, a Vista Alegre continua a canibalizar-se, a reproduzir os desenhos de há 50, 70 anos. Incapaz de se renovar e de perceber que, se não investir no presente, se não fizer hoje aquilo que fez há 100 anos não conseguirá sobreviver. Ainda por cima, as poucas vezes que investe em desenho contrata arquitectos ou pintores. Os resultados são os esperados, mas não os que esperavam.
Em Portugal, quando os nossos governantes fazem visitas oficiais e querem levar um presentinho que represente o país e a sua excelência, levam uma peçazita da Vista Alegre. É talvez um exemplo eloquente da forma como o estado continua a ver a I&D, como gosta de lhe chamar.
Ou muito me engano, ou com este programa de governo, Portugal caminha para deixar de ser um país produtor de vidros, porcelana e cortiça para passar a produzir programação, implantação e testes. A parte boa do bolo continuará a ser comida por aqueles que desde há muito sabem para que é que o design serve.
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