segunda-feira, março 14, 2005

Negócios subterrâneos

Gonçalo Falcão
gfalcao@ideia-ilimitada.pt

O Metro é um sistema de transporte urbano que foi pensado e desenvolvido para ser rápido. Apesar de ser autónomo e independente dos outros meios e ter um sistema específico de códigos visuais, a cidade é o seu referencial. A rede é muitas vezes grande e complexa e os mapas do Metro dos países que o inventaram, os Estados Unidos e a Inglaterra, começaram por incluir os locais onde o Metro comunica com a cidade.

Em 1933 o Inglês Henry Beck desenhou um mapa para o metropolitano londrino que se iria tornar um marco em termos de clareza e simplicidade. Representou só os percursos dos comboios, as estações e a forma como as linhas se articulam entre si. O mapa de Beck é um código encriptado mas que no contexto londrino funciona bem, porque havia um grande conhecimento do modo de funcionamento do Metro e da articulação com a cidade. Foi inovador na forma como representou diagramaticamente os trajectos e reduziu a informação ao essencial. O viajante que desconheça a cidade e a sua articulação com o Metro necessita da ajuda de um segundo mapa individual que faça a ligação entre a estação e a zona da cidade onde pretende ir, mas este modelo de mapa é uma ideia que funciona bem para os utilizadores frequentes do Metro, que têm uma boa ideia mental da cidade e das saídas na cidade. Foi desenhado para Londres, que conhecia o Metro desde 1863, mas não é uma receita aplicável em todo o lado. Nova Iorque teve um mapa destes em funcionamento, de 1972 a 1978, desenhado por Massimo Vignelli e abandonou-o em 1979 (com novo mapa desenhado por John Taurenac/ Mike Hertz, voltando a incluir referências topográficas, ainda está em uso) porque se chegou à conclusão que, mesmo para os nova-iorquinos (que utilizam o Metro desde 1904), a excessiva esquematização da realidade e a falta de referências urbanas eram desorientadoras.

Lisboa só a partir de 1959 pôde andar no Metro e até ao final do século XX tinha duas linhas tímidas e pequenas. Com o plano de alargamento da rede, ainda em curso, abriram-se novas estações e novas linhas ligadas aos transportes suburbanos. O Metro passou a transportar muito mais gente, «utentes» que nunca o tinham utilizado antes.

Com o aumento da rede, a empresa decidiu também preocupar-se mais profundamente com a imagem e com a informação.
Como empresa de capitais públicos que é, seria de esperar que consultasse o mercado para saber quem é que apresentaria a melhor solução. Fazer um concurso nacional? Internacional, talvez? Escolher por qualificação prévia ateliers de design nacionais (e internacionais?) que tivessem dado provas de conseguir tratar com qualidade estes problemas? Ao que se sabe não. Contrataram um atelier de design inglês: Wolff Ollins. É mais chique. Como os gestores destas empresas não são escolhidos por concurso (que se fosse internacional daria certamente muito bons resultados), os critérios de escolha são os que entenderem. Note-se que o Metro não foi a única empresa pública (de capitais públicos, perdão) a proceder assim. A Carris e a PT também preferiram, sem qualquer justificação, os serviços da Wolff Ollins.

O trabalho realizado demonstra que a empresa de design assumiu alguns pressupostos errados sobre a forma como as pessoas se orientam e utilizam o Metro, e não teve em conta que, em pleno século XXI, este meio é ainda uma novidade para muita gente em Lisboa. A transposição da forma do metro de Londres para Lisboa é um bom exemplo da forma como o trabalho foi desenvolvido, como se houvesse uma receita e sem envolvimento e estudo da realidade alfacinha.

Na sinalização ― um elemento estrutural num trabalho deste tipo ― o verde dá informações (saídas, saídas de emergência, acessos e ligações) mas também designa uma linha (a linha verde). O amarelo serve para avisar (limite de segurança, perigo de electrocussão) e para nomear outra linha (a linha amarela). O azul ora é uma linha (linha azul) ora é informativo (os avisos da câmaras de vigilância e dos elevadores), ora faz o papel do verde e indica as saídas. O azul também marca as bilheteiras e informações úteis (horários, telefones). Os canais especiais (para deficientes e incapacidades temporárias) são também azuis e o amarelo (que, relembro, era a cor dos avisos) serve para dar conselhos de utilização. O vermelho tanto indica uma linha (linha vermelha) como perigo (fecho das portas, passagem proibida) como o material de emergência e alarmes. A informação das diferentes linhas tanto aparece escrita a branco sobre o fundo da cor da linha (verde, amarelo, etc.) como a branco sobre azul escuro.
Não trataram devidamente alguns problemas que vinham da rede inicial ― como o facto do nome de muitas estações não corresponder ao nome do local à superfície (Marquês/Rotunda). Para ajudar a complicar um pouco mais o viajante, as linhas têm dois nomes: o nome da cor que a desenha (linha amarela, por exemplo) e um nick tipo quinto império: gaivota, caravela, bússola.
Não houve preocupações com a forma como as pessoas se movimentam, orientam e saem dos acessos às carruagens. Nas saídas, não há qualquer tipo de informação sobre como circular nas escadas e tapetes rolantes (à direita parado, à esquerda em movimento). Não se tratou bem a comunicação sobre a proibição de fumar, tendo-se colado uns papelitos enrugados e vermelhos (como a linha vermelha) que rapidamente se esfumaram. Não se integrou o mobiliário (bancos, caixotes do lixo) no contexto da vida das estações; não se explorou as potencialidades informativas e de ambiente que estes equipamentos proporcionam. Os elevadores estão micro-sinalizados, quando estão. Quem entre com um carrinho de bebé não saberá por onde ir, ou se há acessos que lhe são dedicados depois de passar a verificação do bilhete. Com uma cadeira de rodas é melhor não entrar porque em muitas estações não vai conseguir sequer passar do átrio (mas aqui a culpa não é do sr. Ollins).

Claro que nem tudo é mau na imagem do Metro e há até alguns pontos muito positivos, como o alfabeto, ou o novo símbolo. Como o trabalho, que provavelmente terá sido muito bem pago, ficou mal resolvido, tem estado sempre a ser revisto e refeito e daí a actual situação, onde a incongruência é a nota dominante. È possível encontrar sobre um fundo vermelho uma placa da linha verde e ao lado uma placa verde a indicar a saída e um autocolante verde sobre a placa verde a indicar a direcção da saída de emergência. Tudo isto sob o ruído visual dos novos ecrãs que nos atacam com publicidade a que não podemos fugir, mais o som da mesma.

Este exemplo do Metro é ilustrativo da postura pátria perante o design e também perante os nomes estrangeiros. Primeiro contrata-se uma empresa inglesa sem qualquer justificação ou concurso. É fácil encher o olho, mas na prática as coisas deveriam funcionar, o que é difícil com pouco estudo. Quando o trabalho chega à fase de implementação as coisas começam a ficar curtas; gasta-se imenso dinheiro e não se exige contrapartidas sólidas. Atalham-se os caminhos com soluções vulgares, na esperança que o pastiche cole.
O Metro não se coibiu de gastar milhões para pagar a artistas plásticos a criação de ambientes que ajudam a que a utilização do serviço seja mais agradável e colorida. Por isso é pena que não invista em design para melhorar a vida das pessoas. É que se a escolha tivesse sido mais ponderada, se se tivesse preferido o estudo, a análise e o pragmatismo; se tivesse havido vontade de resolver problemas e exigência em relação ao dinheiro investido, haveria certamente designers aptos a ajudar o Metro de Lisboa a comunicar de forma mais intuitiva e produtiva, contribuindo para uma melhor civilidade. E por incrível que isso possa parecer à administração do Metro, lusos.