segunda-feira, novembro 15, 2004

"A Sociedade Não Quer Ser Original, mas Uma Cópia de Si Mesma"

Por SARA DIAS OLIVEIRA
in Publico, 14 de Novembro de 2004

"As novas tecnologias justificam a preguiça, a inércia da sociedade". Foi seguindo este percurso que Oliviero Toscani - "simplesmente um fotógrafo", como se apresentou - quis mostrar no IV Simpósio Sete Sóis Sete Luas, que ontem teve lugar na biblioteca de Santa Maria da Feira, que é preciso abrir bem os olhos e pensar no que a comunicação social tem para oferecer.

"A comunicação social, os 'media', as televisões, são como a Coca-Cola, isto é, todos os conhecem e são bebidos sem substância", referiu o fotógrafo italiano, acrescentando que "as marcas não alimentam a humanidade, mas alimentam-se dela". Tendo como pano de fundo "Realidade & Utopia - O Mundo na Feira das Ideias", o tema do encontro, Toscani sustentou que a grande utopia dos nossos dias é pensar "que a morte e o sofrimento são de outra pessoa". Uma ideia que, na sua opinião, é produzida pelos órgãos de comunicação social que não "deixam tempo para reflectir". "A sociedade não quer ser original, mas uma cópia de si mesma", apontou.

Toscani considera que a humanidade está viciada nos "media", como num "hambúrguer que deixa vestígios de dependência". Apesar desta imagem negra, sobretudo do meio audiovisual - nomeadamente por terem esquecido a função de serviço público e "terem degenerado num investimento económico" -, ainda há esperança. "Os 'media' podem tornar o mundo melhor, destruindo preconceitos e os conformismos que nos governam. É necessário ter coragem de ser diferente porque ninguém deve ter fome de cultura. Precisamos de diálogo, não de monólogo, monomarcas ou monoculturas", defendeu.

O artista terminou a sua intervenção com um vídeo seu, feito em 2001 - antes do 11 de Setembro, como fez questão de vincar. Um filme que contrapõe o que de mais sofisticado existe, nas novas tecnologias, com a miséria humana, a fome das crianças africanas, o êxodo forçado pela guerra. As imagens do foguetão sobrepunham-se, por exemplo, às dos miúdos subnutridos. A obra, exibida no Fórum Social Mundial, termina com um intenso olhar de um menino africano que encara de frente a plateia. Não há diálogos, apenas uma música de fundo. O vídeo foi ontem aplaudido de pé.

A privatização da utopia

A "distopia" - isto é, utopias negativas - foi também tema de conversa no simpósio. Remo Bodei, professor de História da Filosofia da Escola Superior de Pisa, Itália, lembrou que hoje se sente uma "privatização da utopia", por não haver projectos colectivos. "E cada um corta para si uma fatia de céu", disse. Outro italiano, Omar Calabrese, professor da Universidade de Siena, sustentou que não há utopias "porque existe, no mundo, um sentimento estranho do medo". No entanto, deixou o aviso: "Construir utopias é a melhor actividade do mundo". Jean Ziegler, professor da Faculdade de Ciências Económicas e Sociais na Universidade de Genebra e co-autor do "Livro Negro do Capitalismo", centrou a sua intervenção no poder das oligarquias capitalistas que "controlam a riqueza". E quem são as vítimas deste sistema? "A fome, a sede, a guerra, as epidemias - os quatro cavaleiros do Apocalipse". "O capitalismo é uma selva que destrói o planeta", rematou. Por seu turno, José Pacheco Pereira - que alertou não ter simpatia pelo pensamento utópico - defendeu que "as utopias, no sentido clássico, têm uma profunda crise interior, associada à fome, à peste e à guerra". Na sua opinião, a chegada da bomba nuclear veio colocar por terra a utopia, a partir do momento em que se tomou consciência de que era possível destruir o próprio Homem.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

acabo de ler este texto e não consigo evitar de o comentar,pois estou neste momento a ler um livro que, de certo modo foca a mesma opinião...

"Nas mesquitas não há imagens. Mas nós no nosso mundo, dormimos e comemos imagens, rezamos as imagens, vestimos imagens."

Don Delillo, "MaoII", relógio d'água, 1991

micaela amaral

11:35 da tarde  

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